quinta-feira, 9 de junho de 2011

Meu dente n° 25

Quando pensou, tinha dobrado a esquina com vontade imensa de ficar. Mas foi. Seguiu andando porque ali dentro dele, morava uma voz que era sua, por direito, propriedade e natureza. Ela dizia quase que sussurando, que o melhor era ir. Inconsciente autoritário e sempre certeiro. Foi sem olhar para trás com um meio sorriso cortando os lábios. Devagar os olhos acompanhavam os chinelos que chutavam pequenas pedras, chispando em tantas outras que ficavam pelo caminho, assim como toda aquela idéia de felicidade, amor e construção ideal. 
Veio aquela música latejante na cabeça. Escolheu outra, repensou sobre tudo. Apertou os dedos contra a palma da mão. Estralos. Tudo era mais simples. Um suspiro querendo ser tornado pra voltar e gritar o que descia seco e quase com um prazer extremamente esquisito. Viciou-se naquela saudade que começara, quando ainda nem tinha sido, imagine se um dia fosse. E tudo findou num aplauso unilateral.

quinta-feira, 24 de março de 2011

Lígia

Sua magreza parecia sempre andar de lado. Os ombros furando o ar, chegando primeiro, já davam uma impressão de que a diferença do resto morava alí. O andar nem era imponente, tampouco despercebido. Deslizava em passos curtos e ágeis. Milimetricamente decididos antes do próximo. Aos tantos outros que exibiam falas preparadas, discursos ajeitados, ela, quando dava vida aos lábios, exibia palavras polidas, cheias de uma firmeza quase dona da verdade absoluta. Convencia como uma autoridade despacha uma ordem, um ponto final.
A natureza lhe presenteara uma carne fraquinha, uns olhos desconectados da visão comum, cabelos mirrados, caindo nos ombros pontiagudos, braços finos e mãos amarelas, sempre úmidas de uma urgência que latejava louca.
Ninguém diria que naquela cabeça traquinavam pensamentos como máquinas, absorvendo cada gota do que se passava e arquiteturas geniais de planos unilaterais que terminavam em gozos solitários de quem nasceu para ser vírgula quando todos são pontos...
Uma fantasia meio que de criança tomava aquele coração por vezes, alimentando a carne de aventuras que, nenhum dos comuns, jamais hesitaria em dizer. Daí escapuliam risos baixinhos dos lábios sem cor, como quem grita.
Tudo que lhe parecia ou era de fato uma ofensa passava ligeiramente despercebido, sobre o sexo e sua opção, sobre seu comportamento desigual e inalterado, sobre sua forma ímpar... O que, na verdade, não era, os outros que não lhe acompanhavam. Era par consigo mesma. Um mundo erguido dentro de seus miolos quentes e estratégicos. E ia longe, onde quase nenhum comum chegara.
Abrindo a porta da sala de reuniões dia desses, alguém indagou o motivo de seu silêncio obsoleto.
Respondeu como era de praxe: " Tenhos noites de intensas conversas com a lua, ela me gasta quase todas as palavras."

domingo, 20 de março de 2011

Onde está?

" Tinha um modo particular de morder o lábio inferior. Era meticulosamente prática, mergulhada em sequências de coisas a fazer. Lavar as mãos, pente no cabelo, arrumar a mesa, comprar os pães e enxugar todo o suor no antebraço direito. Nada, ou quase, fazia com que ela ultrapassasse a grade de sua rotina. De volta da padaria, numa de suas sequências programadas, sacou fora uma unha do pé direito, num tropeço que fez esguichar o sangue guardado e com caminhos também programados. Em cima do calçamento mal organizado, o vermelho escorria e sua dor era indiferente, se não fosse por uma música, enfiando idéias naquela cabeça que há muito não pensava de outro modo.
A unha continuava suspensa. O chinelo tornara-se preguento e cheio de hemácias. Uma das mãos soltou a sacola que levava os pães e deslizou no ar como quem dança. Era aquela que nunca mais tinha surgido, de volta, resgatada por um sonoridade que deixou-a tonta e com sensações rídiculas. Parou para ver o dedo. Quis seguir sua direção antes planejada. O som crescia em decibéis alarmantes. Sua cabeça pendeu para um lado, os quadris para o outro. Dentro da carne, uma sensação de tremor e prazer. Era aquele som que fazia seu corpo ficar languidamente leve, despachando sensações e pequenos sorrisos, banhados por suor e sangue. O dedo se expremia, empurrando todo aquele vermelho para fora. Sentiu-se fraca, como perdendo o senso. Estava voltando da padaria, recordou num susto. Viu os pães no chão, atrás dela. Quis voltar e pegá-los. Seria humilhante, ainda que ninguém a visse. Nova topada e a unha parecia querer voltar pro lugar. Desligaram a música. E, naquele dia, ninguém comeu  pão, quebrando sua rotina e deixando-a extremamente contrariada. Tentou novas topadas, pré-programadas, mas aquela música, nunca mais tocou."

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Era como uma coceira entre os dedos da mão, fazendo com que minha calma se esfregasse nas roupas, confundindo com o cheiro das coisas aquele outro sentimento. Tinha uma hora de grandioso devaneio. Estalar de costelas, arrepios similares. Graves. Meus olhos cobiçavam aqueles outros lábios. Dispostos de nenhuma tática apenas olhavam como quem puxa. A noite sempre me tomou a opção de cuidar das coisas. Trajetos perfeitos num compasso lúdico e excitante. Quero mesmo poder entrar dentro daquele corpo. Um cigarro acende outra possibilidade. E são essas que mais me desconcertam. Sacola solta e vazia no vento da madrugada, dançando entre outros tantos descontentes, mas não há tempo para tantas queixas, quero de novo acender aquilo tudo que pensei ter esquecido. Sonhei entre um olhar e outro.
E dando conta de tudo, escorreguei numas palavras reunidas numa pressa que me fez desistir por cautela e não por desejo, porque afinal, o desejo mora entre os dedos da mão, tirando minha calma e adivinhando o que nem era novidade.